9.6.12

no deserto é calor

e é tão dolorido quanto o frio.

o frio que exige tantos preenchimentos, tantas cobertas, tantas camadas.
tantos apegos, tantos confortos, tantas distrações...

todas as coisas sem as quais não consigo viver. todas as tramas que construí no meu cobertor.

cobertor - tramas - mesh-points - paisagem enredada de viver.

...
no calor, tudo é excesso.

tudo igualmente pesa.
peso-conforto-peso-desconforto.

no deserto é frio e calor como é noite e dia todos os dias.

[sinto falta de tudo para o que digo adeus].

no calor é difícil mover-se como no frio.
e no entanto, nos movemos.
nos movemos como se caminhando pudéssemos fugir do calor.

porque o deserto, se atravessa de dia.

enquanto sinto calor.
enquanto posso me despir de tudo o que pesa.
enquanto tenho força para atravessar o deserto todos os dias.

...
todos os dias infinitos do deserto vivem para ser atravessados, tudo o que me cobre me protege deserto de viver, todas as coisas mais amadas na vida merecem ser perdidas e recuperadas, todas as coisas merecem ser perdidas como quem protege o seu amor no fundo da memória, todo o deserto é grande demais pra ser atravessado com o peso das memórias, das densidades amorosas, dos escapismos rasos. EM TODO O DESERTO FAZ CALOR E EU SÓ POSSO ATRAVESSÁ-LO COM O DESEJO. no deserto o desejo faz calor e é por isso que eu não preciso de mais nada. vou me despir de todas as camadas na direção do desejo.



3.6.12

As cidades dentro das cidades e a cidade imaginada.

No redemoinho, a água tem camadas.

como as cidades, que se constroem sobre si mesmas, 
rapidamente, em círculos.

círculo: 
volta, retorno, fechamento, sem ponto de partida, sem ponto de chegada-fechada.
re-inícios, re-loopings, re-observações, re-distanciamentos.
Em curvas, em tonturas, indo para todo lugar, indo para lugar nenhum.

Não quero estar na curva, quero estar na linha.

Nas quadras, nos encontros, nas portas.
Nas passagens, nos corredores, nos cruzamentos.
Nas travessias, nos barcos, no mar.

...no mar de cidades, deve existir a cidade oásis.
[tão real porque tão longe do deserto].

Perdida entre pistas, entre cidades diversas.
às vezes escondida nas curvas, nas tangentes...
Nas esquinas as curvas dissolvem-se em linhas.
em encontros, em acostamentos.

A cidade oásis é cidade de sonho e de projeção.


é busca nas tangentes, busca nas retas.
é turva de quem busca sonhando, olhando para...
é busca de quem olha.

É projeção de construção.
Em cada linha, um risco.
um traço, uma soma, um encontro.

...
De esquina em esquina, como quem soma vértices,
Construo a minha casa, o meu cubo, a minha paisagem de mesh points.

Em cada ponto um encontro, em cada ponto uma trama.
Em cada trama o encontro de cidades e de tricô.
Costurando-tricotando-tramando uma paisagem de viver.

Uma paisagem-rede, a pescar a minha cidade oásis dentro do mar de cidades.


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ilustração de Dan Mountford.