19.8.12

geografia temporal

o desencontro é muito mais do que uma questão de geografia.

é o cruzamento dos caminhantes em linhas de tempo distintas.


podemos viver sempre contornando.

as linhas das fronteiras, das arestas, das periferias...
os muros, os redemoinhos, as incertezas...

ou atravessar os desertos, saltar os abismos, equilibrar-se entre as a janelas.


no entanto, somos sempre um trajeto.

uma busca, um sentido de ser.

quantas linhas se cruzam na geografia do tempo?


quantas estradas posso percorrer no meu território de tempo?


tantas estradas sinuosas, tantas esquinas quebradas, desencontradas...


geografia efêmera de tempo.

deslocando todas as continuidades, todos os laços afetivos, todos os olhares.
todos os lugares e estados de ser.

tenho em mim tantas estradas quantos raios posso projetar.
brilhante estrada de fim de dia, de fim de luz, de fim de horizonte.
[mas a estrada renasce em dias e noites tanto quanto as estradas de ser são retas e sinuosas]

a minha viagem, é vertical*

a viagem de tempos e lugares num mesmo lugar.
a viagem de olhar silencioso, de poros que gritam.
a viagem de dançar dentro de casa, dentro de si.

a viagem é vertical porque atravessa o ar, os prédios, as pistas, a superfície, a pele, e cai dentro do mar.
dentro do profundo azul,
azul noite
noite escura dentro do mar.
iluminado pelo peixe abissal como as janelas distantes
[existe luz, mas tudo são silhuetas...]

mas há noites claras como o dia.
iluminando todos os cantos, o olhar veloz de quem percorre estradas.
revelando na passagem do eclipse o olhar de silhueta.
olho vivo, denso e atroz. 
todos os dias.
e nenhum deles.
exatamente como as distâncias.

a distância não é geografia, é um sentimento.

ou em outras palavras, um estado de estar.
não importa a linha geográfica, importa a linha temporal.

- as linhas podem cruzar sem nunca se encontrar.
[o encontro exige a pausa da passagem, a suspensão do movimento-tempo-sincronizado]

- ou podem se encontrar, mas não se enxergar.
[às vezes, as nebulosas não estão nas estrelas, estão nos olhos]

a geografia efêmera me permite encontrar alguém que não está lá.
[está em outro lugar, e quando estiver aqui, talvez eu já não esteja].
estamos no mesmo lugar, em tempos diferentes.

a tristeza das linhas paralelas é que elas sempre estão em sintonia, sem nunca se encontrar.

e existem as linhas desincronizadas, que se cruzam sem se encontrar.

...
em cada ponto da linha há um ponto para ser sincronizado.

em cada ponto existe um lugar, um olhar, uma experiência.
um ponto para a alegria, para o desejo.

meu corpo tem tantos pontos como contém esquinas.
e minhas curvas tão sinuosas contém toda a densidade do profundo silencioso do mar.

os amores são feitos de mesh points

quando deixamos de ser linha, somos uma trama.
somos uma paisagem enredada de viver.
todas as vezes que eu te encontrar, você vai pausar o seu ponto sobre o meu.
e vamos para outros lugares.
se encontrando, se confundindo, se encontrando.

quando eu já não souber mais onde estou e onde você está,
e nos encontrarmos em cada esquina,
a distância será sempre efêmera e o tempo sempre suspenso em pausa de encontro.
o lugar sempre o mesmo. 
o lugar de ser, o lugar de estar.
a sintonia que nunca acaba, mesmo distante.


* A Viagem Vertical é um livro de Enrique Vila-Matas. Cosac Naify, 2004.

13.8.12

Babylon Soul - uma crítica, one inspire*

Um amigo cuja aptidão musical aprecio e admiro (não importa a ordem, importa o que se cria), criou:
Rebonjour - Babylon Soul
...
Há muito tempo tenho vontade de escrever criativamente-criticamente-poeticamente sobre o que gosto e me afeta musicalmente (e em outros gêneros que agora não importam, um dia chegaremos lá).
Esse texto é feito de faixas musicais e densidade nos ouvidos. enfim, Escute-leia-sinta:

Atividade, impacto. ciclos. é hora de chegar. 

Heart full of life, open heart.

Menahan Street Band é a band das calçadas, das caminhadas cinzas e ensolardas, do olhar nebuloso de oásis.

The wave goodbye é  densidade gritando nos poros, é a noite, as nebulosas estelares, tudo o que é brilhante e se estilhaça no ar como fogos de artifício.
A aspereza de uma canção profunda e disfarçadamente melancólica.

The celebration é o passo apressado dos metrôs, da vida que corre sem a gente perceber. 
há quanto tempo estamos aqui?
o que viemos fazer aqui afinal?
quando você vai olhar para o seu buraco antes que o buraco da cidade te engula, afinal?
sim, essa canção corta para a melancolia como quem lembra que a alegria é um sentimento efêmero, que dura pelo esforço de cativar.
o olhar fica nebuloso na poeira dos dias e não importa, caminhamos assim mesmo.

Forever Dolphin Love me comove no formato deep inside.
mas em deep inside vive a vontade de dançar,
de rir e de chorar, de olhar no vazio [e tão cheio] profundo da noite.

Cinematic enquanto passagem cinética, e previsível dos dias. A profusão da minha faixa preferida [of cinematic] me imobiliza, obriga a contemplação de uma sp estranha e tão comum a mim. a todos nós anônimos e estranhos pela distância de desconhecer e reconhecermos a nós mesmos, outra e outra vez.

Com Roling Stones vejo a passagem do tempo, o sol, a chuva e a alegria dos dias chegando… 
caminhamos, enfim.

Balek: zapping em anéis de saturno. a caminhada em desertos sonoros.

E claro, o jazz chega manso como aquele convidado que já estamos esperando…

Little Boxes me lembra Baby Jane, toda a vez. não há como escapar.
A insanidade cute se apresenta.

Ela prepara para a densidade dos acordes seguintes,
o ar enevoando, o ar do deserto.
o ar enevoado tão claro quanto a luz que o atravessa, iluminando e turvando os olhos.

E depois a caminhada Magik Marker.
A caminhada rumo ao redemoinho veloz de ideias em direção ao buraco de si.

E então a calmaria de quem sente o sol do deserto em todos os poros. [over the ocean]

Morphine anuncia o final chegando.
Calmo, leve como quem sempre pode voltar.

Gordon Jenkins me confirma que o final é uma piada. A eterna comédia de viver.
Lembra que sp exige bom humor. Leveza e alegria mesmo nas pauladas no final.

Je te laisserai des mots é a melancolia que sempre chega.
É sabedoria deixá-la repousar sobre nós.
Vivê-la e deixá-la ir….

Free. Free melancholia serena. saber que tudo é um ciclo, tantas voltas, tantas vidas.

E o tango feroz, confirma enfim: sejamos bem humorados, como forma de olhar para o buraco e o vazio que nunca nos abandona.
Só o peso do tango tangencia a vida de modo mordaz, e tão real.

*spirit desire, spire desire, spirit desire... we will fall...

7.8.12

a canção do deserto em nevoeiro*

nevoeiro que transforma escrita em som

em sensação,

densidade de ouvidos,
densidade de poeira, de ar, de respirar, de viver.

tudo é lúcido e nebuloso.

é no olho tátil que atravessamos o deserto,
é no ouvido tátil que entendemos a geografia efêmera do deserto.

...


*a canção do deserto em nevoeiro tem um nome e um som:

Jeremy's Storm
Tame Impala  no álbum Innerspeaker

5.8.12

sobre o escrever [como modo de ser]

Ensaio é imaginação. Se existe alguma forma de informação num ensaio, é sempre algo corriqueiro, e, se contém opiniões, não serão necessariamente confiáveis a longo prazo.
Um verdadeiro ensaio não serve a propósitos educativos, polêmicos ou sociopolíticos: é o movimento de uma mente livre enquanto brinca.
Embora escrito em prosa, está mais próximo da poesia do que de qualquer outro gênero.

Como um poema, um verdadeiro ensaio se faz com linguagem, personagem, atmosfera, temperamento, garra e acasos.

Cynthia Ozick
Retrato do ensaio como corpo de mulher
revista Serrote nº9


tensão superficial*

escrever em mares graves é mais fácil do que escrever na superfície constante.

porque os traços passados também são passos acumulados.
sofrem adquirindo peso,
testam a tensão superficial.

a superfície de oceano não nos deixa deslizar.
patinar no mundo com a alegria
de não perceber cada grão de areia acumulado no passeio de viver.

o oceano de águas calmas só nos permite caminhar.
tocando cada centímetro com cuidado
percebendo muito bem todo o universo entorno.


...

mas tanta atenção dada acima da superfície mal nos deixa enxergar o que há embaixo dela.
os mares profundos, oceanos densos de nevoeiro.

o nevoeiro profundo, grave e abissal.
com todo o peso das coisas não ditas,
o mar profundo é silencioso.

um silêncio não vazio, um silêncio mudo.
oceano nevoeiro.
turvo de tudo o que não queremos ver, não queremos sentir, não queremos ver.
pela falta de admitir, pela falta de olhar para si.

em mares profundos, é melhor ser peixe abissal.
com suas lanternas que percebe para onde navega, sempre buscando a sua luz.
a luz que não está em nenhum outro lugar além de si.

...

o peixe abissal vive apenas nas profundezas, não pode subir a superfície.
[a problemática dos relacionamentos].

mas protege o profundo, lança luz às densidades.

[um desejo:]
seus raios de luz chegam à superfície sem tocar a tensão,
lançando luz ao caminhar cego de tatear,
iluminando a passagem dos dias,
pulverizando os grãos dos dias caminhados no ar.

para que a escrita seja escrita de luz. 
comunicando os mares graves e as águas calmas de ser.
leve como a poeira que a revela, que a compõe.


*aquele fenômeno que estudamos na escola, que nos conta sobre a habilidade dos mosquitos pousarem na água.
[ser leve demais e não romper o hímen da água].
**uma questão, talvez sintomática do ser: para algumas pessoas, o punho dói por escrever de forma leve-constante. e só quando escrevemos com a mão pesada é que o punho para de doer.


2.8.12

o amor como uma questão de geografia

a nossa maneira de amar pode mudar de acordo com o lugar onde se está?
[estar como ser caminhante]

ESTAR também diz respeito ao modo de SER.

ser
estar
viver
esperar
desejar
buscar
caminhar

o que se encontra no caminho diz respeito ao final do percurso?
[junto pedras e flores nos bolsos...
e cada um deles é a escolha de levá-los comigo.]

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ser depende do modo de estar.
não importa o quao rápido esteja,
como se estar fosse sempre o movimento.

ser é uma constância mesmo que perene, mesmo que efêmero.

mudo o meu tempero, mudo meus desejos e necessidades.
mudo o meu estado de ser.
mudo o meu modo de abraçar o mundo
mudo o meu estado de estar.

mudo o meu modo de abraçar, de gostar, de desejar, de possuir, de dar, doar...
mudo o meu amor pelas pessoas e pelo mundo
mudo o modo como procuro o amor
onde o encontro, onde o enxergo, como o cativo.


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cativar
só vale cativar num cativeiro sem paredes.
onde tudo são janelas gigantes de vento, poeira e alegria.

para viver o deserto com alguma alegria.

para atravessar o deserto em mar de nuvens.

talvez só depois do deserto para enxergar alguma geografia.
e estar um modo de ser.

mas enquanto não configuro a geografia,
[o deserto também é limbo de desenhos em geografias]
vou ser e gostar sem nomes e traçar linhas desencontradas, como no limbo.
limbo de oceano de emoções em águas calmas
oásis de pequenas alegrias
oásis de olhar granulado ao sol.

nietzsche, o abismo, o vazio.

Quem luta com monstros deve velar para que, ao fazê-lo, não se transforme também em monstro. E se tu olhares, durante muito tempo, para um abismo, o abismo também olha para dentro de ti.
Friedrich Nietzsche*

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o abismo te olhando nada mais é que o teu desejo pelo abismo.

o abismo é as vezes como a medusa para quem não podemos olhar.
ou podemos olhar por apenas alguns segundos.

os segundos necessários para compreender.

o seu abismo particular.
que é o seu buraco, que é o seu vazio.

é no vazio interno que temos todas as dúvidas, todas as amarguras, todas as próprias incompreensões guardadas.


o abismo é a medusa que pode te petrificar.

mas é também o mar de sensibilidade, o nosso poço mais profundo, reservatório de quem somos.

se você olhar para o abismo e ele te olhar de volta,não tenha medo do mergulho profundo, da garganta de jibóia.


se a garganta do abismo te engolir, deixe-se digerir, vá nadando de encontro ao fundo do abismo.

porque até mesmo o redemoinho de espiral tem uma ponta, porque não tem abismo que não tenha forma de voltar.
[nem que eu escale as mais duras pedras, nem que eu nade ao infinito, 
nem que a garganta quebre os meus ossos até desaparecer e nascer outro]

nem que seja no salto ornamental inverso.

voltando para o precipício-mirador.

de onde miro o meu vazio tantas vezes quanto for necessário.

na busca do meu ser cheio de ar, de mar, amar, de buscar, de ser.


*desculpem, anotei isso faz tempo, sei lá de onde vem essa citação.