27.6.10

à possibilidade de dançar sem música *


as escritas que mais me satisfazem são as não-lineares.
como uma experiência de ler e de viver interdisciplinar.
algo como os filmes de Lynch:
uma escrita que atravessa ruas,
trafegar por entre nuvens.

* termo extraído do livro Narrativas enviesadas
Katia Canton, Matins Fontes, 2009.


23.6.10

o desaparecimento como experiência.


talvez, eu esteja tão somente aprendendo uma nova forma de existir ausente.

como saber?
se as reações mudaram aos mesmos sintomas,

e a ausência caminha por outros desertos.

mesmo assim, ela volta.
quando eu me supero eu me supero para ficar só.

desvios e espirais.
na errância me desenrosco,
me encontro.

- pense a seguinte equação:
se os dias haverão de ser os mesmos,
mas as reações mudam,
o resultado tende para lá ou para cá?

todavia continuo respirando
todavia desato e passeio em nuvens e a ausência muda de lugar.
mas é ar sutil
como as nuvens que mal parecem se mover,
e todos os dias desaparecem, existem e mudam de cor.

a arte da ausência é o desaparecimento.
invulgar é aquele que some de si.
no entanto, a arte está nos propósitos.



20.6.10

sobre o oficio muito particular de escrever.


Escrevo como quem produz imagens.
[...]
Como produzir imagens como quem escreve?

...

sometimes, tenho até dúvidas razoáveis se sei escrever,
e queria imagens mais escriturais.
e que às vezes, elas fossem tão transparentes que não dissessem nada.

o poder da imagem é o silêncio.


silence




14.6.10

sobre o estar.


ser estrangeiro não é questão de espaço,
é estado de espírito.

é ter os olhos longe do corpo,
a cabeça perambulando em nuvens.


10.6.10

bruno e os alfinetes


ele tinha uns alfinetes e escrevia na cabeça deles.
mas as frases eram enormes.

era tanto a dizer, nunca caberia ali.

e mesmo assim ele insistia.

fazia tudo bem pequenininho,
pra caber ali.

ele escrevia como se falasse baixinho.
mal dava pra ouvir,
mal dava pra ler.

e mesmo assim ele escrevia
e dava os auto-falantes pras pessoas enxergarem depois.

aí elas iam escutando quase cegas.

e os alfinetes viravam pregos enormes,
pregando palavras na cabeça das pessoas.

...

e elas nunca esqueciam,
porque podiam pregar as palavras pregadas no peito.
[segurando a camisa no casaco].
e ouvindo baixinho o que elas não queriam esquecer.


6.6.10

sobre a escultura do pensamento


"ESCULTURA SOCIAL

Meus objetos são para serem vistos como estimulantes para a transformação da ideia de escultura... ou da arte em geral. Eles devem provocar pensamentos sobre o que a escultura pode ser e como o conceito de esculpir pode ser estendido para materiais invisíveis usados por todos
- PENSANDO FORMAS - como nós moldamos os nossos pensamentos ou
- FORMAS FALADAS - como damos forma a nossos pensamentos e palavras ou
- ESCULTURA SOCIAL - como nós moldamos e damos forma ao mundo em que vivemos:
ESCULTURA COMO TODO UM PROCESSO EVOLUCIONARIO; TODO HOMEM E UM ARTISTA."

Joseph Beuys*

* bem, certamente isto deve ter sido foi tirtado de algum livro, mas..
a referência que posso oferecer é a exposição:
Horizonte Expandido, em cartaz no Santander Cultural, Porto Alegre/RS
na presente data.

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não que eu concorde tanto assim com esta visão de arte,
mas o pensamento de Beuys me encanta.
...

pensar que posso transformar as palavras no meu pensamento em outras palavras
nas mesmas ideias,
e em outras,
e assim transformar os pensamentos em outros
e as ideias em outras.

é por pensar que faço arte ao escrever
e que posso ser artista até no pensamento,
que continuo a escrever.


3.6.10

a busca dos contrários


Disse Gonçalo M. tavares:

- Se um triângulo retângulo tiver saudades do tempo em que era um quadrado e se quiser voltar a ser de novo um quadrado, não deverá juntar-se ao que deseja ser (o quadrado), pois assim nunca ficará como deseja.

[...]

- No fundo - disse o senhor Valery, enquanto fazia outro desenho - devemos juntar-nos, sim, àquilo precisamente que não gostamos de ser, para assim nos conseguirmos trans-formar no que pretendemos.

- Isso é confuso demais, e também um pouco triste - disse, a concluir.

O senhor Valery depois não disse mais nada - já estava cansado e era tarde - porém o último desenho que fez foi o de um quadrado dividido em muitos bocadinhos.

Do mini-conto A tristeza
Gonçalo M. Tavares
O Senhor Valery, ed. Escritos, 2004.

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Intrigou-me um bocadito que o conto se chamasse A Tristeza, apesar mesmo da perspectiva ser um pouco triste.

O livro no geral fala de modos sutis e variados dos contrários, e fiquei a pensar nisso do encontro só poder ser gerado a partir do contrário.

Teria que ir na direção oposta ao que desejo?
Como buscar o desejo sem tentar "ser" o desejo?
Como vivê-lo, na busca?

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o senhor Valery gosta de responder e ter soluções.
hoje eu só quero perguntar.